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Turismo sem Fronteiras? A verdade sobre os bolsistas de doutorado

03/07/2016 por Fernanda Cruz Rios-Ford, Ph.D.

Olá, Abroaders! Primeiro, preciso agradecer em nome de toda a equipe do site pelos 1.4k compartilhamentos do nosso último post! Graças a vocês, conseguimos expor a situação complicada que nós, estudantes de doutorado, estamos enfrentando.

Como consequência, a mídia brasileira publicou alguns artigos sobre isso. Um exemplo de um artigo bem informado é este aqui, apesar da manchete um tanto sensacionalista. Infelizmente, alguns jornalistas não conferem seus dados com responsabilidade. A gente leu este artigo da Folha de São Paulo, por exemplo. Depois, quebramos o Décimo Primeiro Mandamento (“Não Lerás os Comentários Alheios”) e nos deparamos com as seguintes pérolas:

Espero que os doutorandos do Turismo sem Fronteiras sejam melhorzinhos que os graduandos

É uma gastança sem fim

Quem quiser fazer estudos fora do país que faça com seu dinheiro e não com nossos impostos

Quer fazer férias de graça entre no Ciência sem Fronteiras

E o resto virou disputa partidária (melhorem, pessoas).

Se você conhece alguém que pensa assim, com certeza esta pessoa não sabe o que é um doutorado. Mas nós ajudamos a desenhar: já escrevemos o próximo post que explica direitinho (em breve, e com o selo Abroaders de qualidade).

Nos representa!

Nos representa!

Mas o que leva as pessoas a ter uma opinião tão crítica sobre o programa?

  1. Primeiro, claro, a fama que infelizmente muitos estudantes de graduação sanduíche ajudam a alimentar e que rendeu o apelido de “Turismo sem Fronteiras”. Por isso, uma das principais críticas ao Ciência sem Fronteiras é que o programa deveria ser focado na pós-graduação (73% das bolsas foram destinadas à graduação sanduíche, enquanto apenas 3% delas foram destinadas aos programas de doutorado).

    Apesar da fama da graduação sanduíche, muitos estudantes souberam aproveitar a oportunidade para alcançar reconhecimento nacional e internacional.

    Exemplos? Este site que os estudantes organizaram para ajudar outros estudantes e contar suas histórias, ou esta reportagem sobre como duas estudantes de graduação sanduíche na Arizona State University ganharam menção honrosa e foram finalistas de um prêmio promovido por ninguém menos que a ONU e o GOOGLE. E aqui ou aqui estão exemplos de como ex-bolsistas de graduação do Ciência sem Fronteiras trouxeram benefícios ao país - tem mais no site da CAPES.

  2. Segundo, a própria reportagem da Folha traz algumas (des)informações que manipulam a opinião pública. Por exemplo:

    1. Dizer que o investimento mensal para se manter um doutorando nos EUA é de R$6000. O Fulano que sugeriu que usássemos nosso próprio dinheiro não sabe que este é o valor pago pela Capes apenas como um “salário” para que paguemos aluguel e outras despesas. Ainda há uma quantia muito maior sendo paga como matrícula semestral e taxas para as Universidades. As Universidades nos EUA não apenas não são gratuitas, como são caríssimas! Ah, a propósito, manter um doutorando aqui não é gasto, é investimento. Se duvida, dê uma lida no Manual do Bolsista e veja toda a contrapartida que o Governo espera de nós.

    2. Dizer que a intenção do Programa é enviar estudantes para as melhores universidades do mundo, mas apenas 4% estão entre as 25 melhores universidades segundo este ranking.

      MINHA GENTE, em primeiro lugar, estes 4% incluem os alunos de graduação sanduíche. Além disso, vamos combinar que mais de 100 mil brasileiros não cabem em 25 universidades, ok? E já que estamos falando de doutorado, como sempre, aqui vão dados fresquinhos providenciados pela Laspau(órgão afiliado à Harvard que faz parceria com a Capes para manter os doutorados nos Estados Unidos).

      A primeira coisa que você tem que saber é que o tal ranking tem suas limitações. Existem universidades TOP em uma determinada área que não estão entre as melhores no ranking geral. Por exemplo, o Worcester Polytechnic Institute (WPI) é top em Engenharia, mas não está no ranking.

      Se isso não te convenceu, saiba que, entre os estudantes de doutorado pleno nos EUA (Laspau/Capes/CNPQ):

    • 86% estão em universidades com ranking melhor que a UNB
    • 78% estão em universidades com ranking melhor que a UNICAMP
    • 62% estão em universidades com ranking melhor que a USP

    Ranking

    Dados fresquinhos fornecidos pela Laspau sobre os estudantes de doutorado pleno nos EUA.

Enfim, o programa é perfeito? Longe disso. Precisa de mais “ênfase” na pós-graduação? Sem dúvidas. Dentre outras melhoras que precisam ser feitas (estamos estudando fazer um post sobre isso), especialmente no que se refere ao excesso de burocracia, má comunicação do governo brasileiro com os estudantes, e normas abusivas no novo manual. Mas o programa em si não é “turismo”, nem “gastança”. É um investimento necessário a médio e longo prazo, feito por um país com o ambiente acadêmico e de pesquisa sucateados, que não oferece o devido apoio aos seus cientistas, e que precisa investir em educação superior para trazer benefícios futuros.

Podemos parecer suspeitos para falar, mas acredito que os dados trazidos nesta postagem mostram que a solução não é acabar com o Ciência sem Fronteiras, e sim aprimorá-lo para otimizar os benefícios ao país - e o retorno do investimento feito com os seus impostos.

Não posso terminar este post sem agradecer à Laspau, que tem estado ao lado dos bolsistas nesta luta. Eles entendem como de fato funcionam os programas de doutorado nos Estados Unidos, conhecimento que falta à Capes e a muitos consultores que avaliam nossos pedidos de renovação anuais. Mais que tudo, a Laspau - uma organização estrangeira - tem nos oferecido o suporte, atenção e empatia que nosso próprio país tem falhado em providenciar.

É isso, pessoal.

Compartilhe este post com seus amigos e família, e principalmente com todas as pessoas que pensam que você está fazendo ou quer fazer turismo utilizando o dinheiro público. Obrigada!

NOTA: Se você é uma das pessoas que consideram o doutorado no exterior uma gastança, turismo, ou falta do que fazer, vai fazer um e depois a gente conversa.